terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Poemas Portugueses

Poemas Portugueses 
Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI



UM CASAQUINHO PRETO
Como podia saber que vivia 
num lugar tão distante 
e numa casa tão grande?
Que a mãe me falava 
de debaixo da terra,
e que o seu rosto era
uma sombra passada 
sobre mim debruçada? 
Que o seu nome me chamava
e eu já lá não estava, 
porque tinha crescido 
e porque tudo crescera comigo:
a casa, o quarto, os livros, 
até o céu crescera 
e se afastava;
e que eu próprio era 
uma recordação 
de que já mal me lembrava?
Manuel António Pina
DE CONSOADA
Que vos hei-de mandar de Caparica 
De que vós, Prima, não façais esgares? 
Porque de graças e benções aos pares, 
Disso, graças a Deus, sois vós bem rica.
Mel e açúcar? São cousas de botica. 
Coscorões? São piores que folares. 
Perus? Não, que são pássaros vulgares. 
Porcos? Só de o dizer nojo me fica.
Mandara-vos o sol, se desta cova 
Mo deixaram tomar; mas é fechada, 
E inda o é mais para mi a rua nova.
Pois, se há-de ser de nada a consoada, 
Mandar-vos-ei, sequer, Prima, esta trova, 
Que o mesmo vem a ser que não ser nada
D. Francisco Manuel de Melo
LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS
Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro 
em que o Nada retome a cor do Infinito
David Mourão-Ferreira

Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...