Poemas Portugueses
Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI
UM CASAQUINHO PRETO
Como podia saber que vivia
num lugar tão distante
e numa casa tão grande?
Que a mãe me falava
de debaixo da terra,
e que o seu rosto era
uma sombra passada
sobre mim debruçada?
Que o seu nome me chamava
e eu já lá não estava,
porque tinha crescido
e porque tudo crescera comigo:
a casa, o quarto, os livros,
até o céu crescera
e se afastava;
e que eu próprio era
uma recordação
de que já mal me lembrava?
Manuel António Pina
DE CONSOADA
Que vos hei-de mandar de Caparica
De que vós, Prima, não façais esgares?
Porque de graças e benções aos pares,
Disso, graças a Deus, sois vós bem rica.
Mel e açúcar? São cousas de botica.
Coscorões? São piores que folares.
Perus? Não, que são pássaros vulgares.
Porcos? Só de o dizer nojo me fica.
Mandara-vos o sol, se desta cova
Mo deixaram tomar; mas é fechada,
E inda o é mais para mi a rua nova.
Pois, se há-de ser de nada a consoada,
Mandar-vos-ei, sequer, Prima, esta trova,
Que o mesmo vem a ser que não ser nada
D. Francisco Manuel de Melo
LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
David Mourão-Ferreira